Título
Flora da reserva Ducke: guia de identificacao das plantas vasculares de uma floresta de terra-firme na Amazonia Central
Descrição
Apresentação Em outubro de 1960 comecei a trabalhar no INPA, integrando um grupo de apoio ao agrônomo Rubem Vale que estava implantando um projeto de silvicultura tropical na Reserva Florestal Adolpho Ducke. Cheguei lá pela primeira vez num dia 14 de outubro, meio espantado, meio a contragosto, embora convicto de que estava abraçando a melhor alternativa oferecida pelo mercado de trabalho da Manaus dos anos 60. Para amenizar minha permanência ali, procurei saber mais sobre o local e sobre os obje- tivos daquele trabalho. A primeira coisa que me contaram foi que a Petrobrás havia realizado ali prospecções petrolíferas e que, graças a esse trabalho, tínhamos uma estrada ligando a AM-010 ao igarapé do Acará e várias trilhas que cruzavam a floresta a cada 1 km. Nas conversas noturnas sob a luz do lampião, soube que aquele lugar havia sido indicado por Adolpho Ducke, um notável botânico austríaco nascido na região de Trieste (hoje território italiano), que nos anos 50 havia andado por ali coletando plantas para estudo taxionômico. Entusiasmado com a riqueza da biota, ele havia recomendado a preservação daquela região, cuja cobertura vegetal era bastante representativa da floresta da Amazônia Central. Foi isso que levou o INPA a solicitar a doação de uma área de 100 km2, prontamente atendida pelo Governo do Estado depois de submeter o ato à Assembléia Legislativa. Numa daquelas noites conheci o Joaquim Chagas, um mateiro lendário que havia acom- panhado o trabalho de Ducke, ensinando-lhe os caminhos e identificando as árvores cujo nome vulgar conhecia como poucos. Esse processo de familiarização com o INPA e com a floresta me revelou nomes de pesquisadores que tinham andado por ali, atraídos pelo apelo e pela mítica do botânico austríaco. Entre eles estavam Renato Jacoud, J. G. Kuhlmann, Karl Arens e R. Lechthaler, sendo este último o autor de um dos primeiros inventários florísticos da Reserva Ducke publicado em 1956. Um antecedente histórico importante para o trabalho em execução, tinha sido a passagem do Centro de Pesquisas Florestais da SPVEA (atual SUDAM) para o INPA. Com a responsabilidade de ativar um Centro de Pesquisa e ocupar uma área florestada, o Instituto deu início às atividades na Reserva, implementando um projeto de silvicultura, aliás o primeiro na Amazônia Ocidental. O projeto consistia basicamente na abertura de três roçados de 1 hectare cada, sendo um em área de platô, um em área de encosta e um em área de baixio, para experimentos silvicul- turais. Enquanto essa áreas iam sendo desmatadas pela ação dos machados (ainda não existiam motosserras), uma atividade paralela voltada para a produção de mudas era incrementada. Como pouco se conhecia sobre as espécies florestais e sobre silvicultura na Amazônia, a ordem era plantar qualquer semente de árvore com valor econômico. Assim, além das essências nativas, foram plantadas também algumas espécies exóticas, entre as quais uma variedade de Pinus sp., da qual dois ou três exemplares remanescentes ainda podem ser vistos na Reserva. No roçado de encosta foi plantado principalmente andiroba (Carapa guianensis). No baixio o objetivo era construir uma mata heterogênea com valor econômico mas com predominância de angelim-pedra (Dinizia excelsa). No roçado de platô foram plantadas muitas espécies mas pouquíssimas sobreviveram. O grupo de mateiros era composto por alguns homens com baixa escolaridade e muita experiência em trabalho na floresta como o Fausto Rufino da Silva, o João Aloísio da Costa Souza, o José Macilon de Lima, o José Faustino do Nascimento e o Waldomiro Santos de Albuquerque. À esse grupo foram incorporados três jovens com alguma escolaridade e sem nenhuma experiên- cia em trabalho na mata: Pedro Colares, hoje economista em Manaus, Wlandemir Cavalcanti, hoje Professor Doutor na UFPE e eu, que me tornei pesquisador, obtive o título de Doutor e atualmente exerço o cargo de Diretor do INPA. O alojamento era uma barraca feita de troncos, coberta por lona e localizada próximo à margem direita do igarapé do Barro Branco. Do lado de dentro do acampamento havia uma fila de redes, do lado de fora uma fogueira onde um bule mantinha o café sempre aquecido e, do lado de cima, as copas de um cardeiro (Scleronema micranthum) e de um matá-matá amarelo (Eschweilera bracteosa) com seus quase vinte metros de altura, que balançavam perigosamente durante os temporais, lançando sementes e medo. O banheiro era o igarapé de águas muito frias, especialmente no final da tarde quando o trabalho terminava e chegava a hora do banho. Para diminuir esse desconforto foi aberta uma pequena clareira de mais ou menos 7 x 15 metros, onde uma bola e algumas caneladas serviam para divertir a mente e aquecer o corpo antes de enfrentar a água gelada do pequeno rio. Não raramente, nas noites de lua, onças em grupo volteavam o acampamento, festejando uma fêmea no cio que era disputada com esturros apavorantes, evidentes práticas exibicionistas dos machos na busca da preferência para o acasalamento. A estrada AM-010 não era asfaltada e a vicinal de entrada da Ducke só era vencida por um jipão Mercedez Benz – Unimog, construído para a Segunda Guerra e que era dirigido pelo Antônio dos Santos, na época motorista no INPA e hoje Professor Doutor da Universidade do Amazonas. Quando o trabalho era muito intenso, se podia contar com a ajuda de outro motor- ista, o Antenor Pontes da Silva. Essa viatura tinha um motor potente e um câmbio de 8 marchas para frente e 8 para trás, além de um poderoso guincho no pára-choque dianteiro, uma garantia contra os atoleiros e um ajuda inestimável para movimentar troncos pesados. Toda segunda feira o Unimog, que tinha uma cabine para duas pessoas e uma carroceria reduzida, levava homens, rancho e ferramentas para a Reserva. A saída era aos sábados menos para os vigilantes dos finais de semana, que permaneciam lá durante 15 dias, entregues à mais absoluta solidão. O salário curto não pemitia a compra de um simples rádio pois o preço era muito alto antes da Zona Franca. Nos dias chuvosos nem o Unimog conseguia vencer o trajeto e o jeito era ir a pé, levando tudo nos ombros e cruzando a floresta por picadas que começavam na Colônia Rosa de Maio. Muitas vezes a falta de recursos nos obrigava a caçar para comer. Nesses períodos, qualquer animal morto ia para a panela pois a fome não faz muita diferença entre a excelente carne de caititú (Tayassu tajacu) e a quase intragável carne de macaco-d- noite (Aotus sp.). As refeições eram servidas sempre com farinha d’água e vinho de patauá (Oenocarpus bataua), de bacaba (O. bacaba), de açaí (Euterpe oleracea) ou de buriti (Mauritia flexuosa). Era comum faltar dinheiro para manutenção do local e algumas vezes até para o pagamento do salário. Problemas de saúde eram “resolvidos” com chás, infusões e a providência de Deus. Dos 8 mateiros e dois motoristas que trabalharam naquela época na Ducke, quatro che- garam à Universidade e três conquistaram o título de doutor. Os outros, pelas contingências da vida, não conseguiram ir muito além do que eram na época. Em 1961, uma tentativa de invasão na parte sudeste da Reserva por um empresário local, levou o Dr. Djalma Batista, então Diretor do INPA, a determinar a demarcação da área. As di- ficuldades para abrir as picadas de 2 metros de largura ao longo dos 40 quilômetros do perímetro foram enormes. Maruins, mosquitos e mutucas de dia, carapanãs à noite, árvores imensas para derrubar, mata secundária para transpor, ladeiras de mais de 60 graus de inclinação, calor forte e muita umidade foram obstáculos muito difíceis. No fim da tarde era construído um acampa- mento, servido o jantar e logo em seguida se buscava o abrigo da rede com mosquiteiro, único lugar onde era possível obter algum alívio contra os insetos da noite. Enquanto ocorria a demarcação, as mudas produzidas e transplantadas para os sítios experimentais iam crescendo, embora a maior parte tivesse morrido por erros técnicos ou pela ação das saúvas que destruíam com desprezo o árduo trabalho. Pouco a pouco a falta de recursos foi esmorecendo o entusiasmo. O Dr. Rubem Vale alque- brado pelo desânimo e por problemas de saúde, perdeu o sorriso, a alegria e a vontade de fazer. Hoje, em alguns locais da Ducke, ainda é possível ver restos do trabalho executado, destacando- se as remanescentes andirobas (Carapa guianensis), os Pinus sp. e algumas outras árvores que resistiram. Muito pouco, tendo em vista a enorme quantidade de experimentos iniciados. Em fins de 1961 saí da Reserva e fui incorporado às expedições de microbiologia de solos de mata primária, um projeto que se iniciava dentro de um convênio entre o INPA e o Instituto de vii viii Micologia da Universidade do Recife - IMUR. Na Ducke ficaram outras pessoas tentando manter viva a primeira pesquisa em silvicultura nesse lado ocidental da Amazônia. Faço referência à Jurandyr da Cruz Alencar e ao Vivaldo Campbell de Araújo, os primeiros a dar continuidade ao trabalho pioneiro de Rubem Vale. Hoje existe uma razoável quantidade de informação sobre a biota da Ducke, mas é pre- ciso registrar o trabalho pioneiro de Fernando Ávila Pires com macacos e malária simiana, as primeiras avaliações limnológicas feitas por Ernest Fittkau, e as primeiras capturas de borboletas realizadas pela senhora Fittkau cujo nome o tempo consumiu na minha memória. Merecem registros também as coletas feitas por Mozart Correa de Melo e Flávio Barbosa de Almeida, da equipe de Nelson Leandro Cerqueira que inventariaram vetores e reservatórios naturais de Leishmaniose e Doença de Chagas. É preciso lembrar também as primeiras coletas de material vegetal contaminado por fungos, feitas pelo grupo de Augusto Chaves Batista do IMUR, sendo esse um levantamento pioneiro na Amazônia brasileira. De qualquer forma, não há dúvida que a maior quantidade de informação sobre a biota da Ducke está relacionada à Taxonomia e Sistemática vegetal, onde se destacam os trabalhos de William Rodrigues, Marlene Freitas e Byron Albuquerque. Esse conjunto de informações acumuladas serviu de motivação para se configurar o projeto Flora da Ducke, que permitiu o aprofundando da investigação científica e viabilizou a elaboração desse Guia da Flora da Reserva Ducke, uma obra que disponibiliza preciosas informações sobre várias espécies vegetais existentes nessa área tão bem escolhida por Adolpho Ducke. Executado por um grupo de botânicos brasileiros sob a coordenação do competente pes- quisador britânico Michael Hopkins, esse projeto teve a ajuda indispensável do povo do Reino Unido que, através do DFID (ex ODA), garantiu os recursos para o trabalho científico e para a edição deste guia. Este livro portanto é uma demonstração exemplar da importância da cooperação inter- nacional para o avanço do conhecimento científico na Amazônia, uma região que precisa ser melhor conhecida para que suas riquezas naturais possam ser transformadas em benefícios para a Humanidade. Além de cientificamente correta, esteticamente belíssima, culturalmente magnífica e re- gionalmente necessária, esta obra ainda me proporcionou a oportunidade de fazer este resgate histórico. Por ter sido ator e testemunha dos fatos narrados, me senti na obrigação de usar este Prefácio para relatar os acontecimentos em sua essência resumida, e para fazer o justo registro do nome das pessoas que fizeram a história primordial da Reserva Florestal Adolpho Ducke. Ozorio J. M. Fonseca Diretor do INPA
Edição
1
Ano
Páginas
800
Editora
Estado
Domínio Fitogeográfico
Grupo Taxonômico
Assunto principal
Palavras-chave
amazônia | brasil | distribuição geográfica | flora | floresta tropical úmida | identificação | plant | reserva ducke | reserva florestal adolpho ducke | taxonomia